O sonho de Antônio Raimundo Santos, 32 anos, é dormir e só acordar daqui a dois anos. O prazo é longo, mas segundo ele, vale a pena. Em dois anos, a Vila Estrutural – segunda maior favela do Distrito Federal, com cerca de 38 mil habitantes vivendo em condições subumanas – estará completamente urbanizada, com rede de esgoto, pavimentação, três escolas, centro de saúde 24 horas, posto policial. “Nossa qualidade de vida vai mudar para 1.000%!”, comemora Antônio, morador da Estrutural há 13 anos, desde quando a invasão começou.Com recursos do Banco Mundial e do GDF – o valor total do investimento será de U$ 115 milhões, sendo U$ 57 milhões do empréstimo do Banco Mundial – a Estrutural deixará de ser favela para se transformar em vila urbanizada, com moradia decente.A regularização será de acordo com o Estatuto das Cidades, que prevê a legalização de áreas de interesse social. Ninguém poderá habitar em moradias menores do que 65 metros quadrados. Quem atualmente ocupa barracos abaixo dessa metragem será transferido para outro setor, na Estrutural, com lote adequado. Em média, os terrenos têm 96 metros quadrados e os moradores que comprovarem o início da ocupação entre novembro de 2004 e janeiro de 2005 terão direito à titulação. A idéia do projeto de urbanização – sob responsabilidade da Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Seduma) – é não mexer na estrutura já montada. Onde foram abertas ruas, haverá a pavimentação e as casas ficarão onde estão, exceto as que estiverem no caminho do anel viário (obra que vai contornar a Estrutural) ou próximas ao Lixão.“Não vamos dar concessão de uso, mas a titulação, fato inédito no DF. As pessoas serão donas dos lotes e poderão fazer o que quiserem”, explica Maria do Carmo Bezerra, coordenadora do projeto Brasília Sustentável, responsável pelo processo de regularização da Estrutural. “E para nós, o grande desafio será dar autonomia a elas e evitar a especulação imobiliária que poderá se instalar após a regularização”, diz.Cerca de 800 famílias serão removidas: ou porque estão em áreas inadequadas ou porque vivem sob condições de indignidade. Para elas, serão construídas 1.300 casas, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Uma 18ª quadra será criada – hoje a Estrutural tem 17 quadras – para receber essas pessoas.
Fim do LixãoEm 2008, o governo do DF terá como desafio desativar o Lixão da Estrutural, que diariamente recebe mais de mil toneladas de lixo. O Lixão foi palco do início da ocupação, na década de 70. Atualmente, cerca de dois mil catadores de lixo vivem dos restos do Lixão e aproximadamente 600 deles não apenas trabalham com o lixo, mas moram na vila. Para estes, a moradia está garantida pelo projeto da Seduma. Mas o Lixão vai ter de sair, pois não suporta mais a quantidade de resíduos produzida no DF e está provocando, de acordo com estudos realizados pela Universidade de Brasília, contaminação dos mananciais hídricos da região.Além disso, 535 famílias ergueram barracos em cima do antigo aterro, uma região contaminada, de alto risco à saúde humana. E que, por isso, terá de ser desocupada.O novo aterro sanitário ainda não tem local definido, mas a Seduma estuda uma área entre Taguatinga e Samambaia, que poderia atender à demanda pelos próximos 12 anos. A desativação do Lixão deverá ocorrer em dois anos, até que o novo aterro já esteja em funcionamento. Até lá, no entanto, os caminhões não precisarão mais passar por dentro da Estrutural. O GDF está construindo um anel viário, chamado de Via Contorno, que delimitará a vila. A previsão é de que o anel esteja concluído em julho deste ano.
Obras
A coordenação do programa Brasília Sustentável trabalha em duas frentes para a regularização da Estrutural: a urbanização, por meio de obras, e o trabalho social com as famílias que moram no local.As obras são muitas e só serão possíveis graças à liberação da licença ambiental pelo Ibama, ocorrida no ano passado. Em fevereiro começa a construção da rede de esgotos, orçada em R$ 9,9 milhões e com prazo de 18 meses para ser concluída. Ainda em fevereiro será encerrada a licitação para a pavimentação da cidade, que será de blocos intertravados para que 15% da água das chuvas possa ser absorvida pelo solo e dessa forma não impactar o Parque Nacional de Brasília, vizinho da Estrutural. No total, pavimentação e drenagem pluvial custarão R$ 30 milhões e a previsão é de que os trabalhos comecem em março e terminem nos próximos dois anos.O Centro de Saúde 24 horas, reivindicação antiga da comunidade, que precisa pegar ônibus até os hospitais do Guará ou Cruzeiro, será inaugurado em 21 de abril. Com 12 mil metros quadrados de área construída, as obras do Centro são acompanhadas com entusiasmo. Como contam os moradores, nem os bombeiros entram na Estrutural. “Se tem mulher grávida, pronta para dar à luz, o jeito é sair correndo para o Guará ou Cruzeiro”, diz o morador Antônio Raimundo.A Escola Classe nº 01 da Estrutural, de madeirite, que fica na entrada da cidade e só atende crianças do Jardim III até a 1ª série, vai abaixo. No lugar dela será construída uma escola com dois andares. Outro colégio com 20 salas de aula será erguido para o ensino fundamental. A terceira instituição atenderá alunos do ensino médio. As obras custarão, no total, R$ 10,8 milhões. Atualmente, crianças e jovens da Estrutural precisam se deslocar até unidades da rede pública do Guará e Cruzeiro, com transporte bancado pelo governo, para estudar.Ainda em 2008, a vila ganha um Restaurante Comunitário, com almoço a R$ 1. É o oitavo do DF e custará R$ 1,9 milhão. Já neste mês de janeiro foi inaugurada a iluminação pública, prometida em novembro do ano passado pelo governador José Roberto Arruda, durante o Governo nas Cidades. Com a luz, a segurança melhorou. De acordo com os comerciantes locais, o final de ano foi comemorado com índice zero de assaltos.Trabalho socialParte do trabalho social da Seduma está em cadastrar as famílias que moram na Estrutural e que terão direito aos lotes. Desde 2005, a secretaria vem fazendo levantamento dos ocupantes e em janeiro foi publicada no Diário Oficial do DF uma lista com sete mil nomes de chefes de família que terão direito ao título dos terrenos. O levantamento, porém, não é definitivo, pois já está desatualizado. Uma nova lista deverá ser publicada nos próximos meses. “Vamos fazer ajustes, cruzamento com o cadastro da CEB. O direito é de quem está lá (comprovadamente de novembro de 2004 a janeiro de 2005). A regularização vai fixar fisicamente as edificações”, explica a coordenadora do projeto de regularização da Estrutural, Maria do Carmo Bezerra. Os ajustes da lista serão feitos em parceria com a Administração Regional do Scia, também responsável pela Estrutural. “Vamos criar uma frente de trabalho com pessoas treinadas para fazer isso. A Estrutural vai virar uma cidade boa para se viver”, afirma o administrador Mário Gomes.Com dinheiro do Programa de Aceleração Continuada (PAC) – R$ 73 milhões - serão construídas 1.356 casas e 2.490 kits hidro-sanitários (espaços com banheiro, pia e tanque), as três escolas e mais um posto policial. As casas serão destinadas às famílias removidas.
“Kit Invasão”A ocupação da Estrutural começou na década de 70, com os catadores de lixo. Mas na década de 90 houve a explosão de invasores. Antônio Raimundo dos Santos lembra quando chegou à região. “Comprei meu kit invasão, que eram oito madeirites e oito telhas, que não davam um barraco nem com 60 metros quadrados”, conta. “A gente ficava na área onde hoje é a fábrica da Brahma”, lembra. A luz era de bateria, a água vinha de tambor. Em 1994, foram derrubados 400 barracos, quando o lugar ainda possuía 1.500 famílias. Entre os anos de 1997 e 1998, polícia e ocupantes se enfrentaram. Ao todo, 1.700 policiais militares preparados para enfrentar os moradores, o que resultou em duas mortes e dezenas de feridos. “Tem gente que não consegue nem acreditar, depois de tudo o que passamos. Eu mesmo não achava que aquele matagal iria virar essa cidade”, conta Antônio. “A partir do momento em que o governo nos reconhece, nos sentimos respeitados. Ainda existe o preconceito, porque surgimos como invasão, mas tenho certeza de que isso vai acabar”, diz Antônio, otimista.Por enquanto, os moradores da Estrutural vivem sob a poeira na época da seca e na lama em período de chuva, não têm direito a endereçamento para receber as correspondências e nem a telefone. Com a regularização, isso vai mudar.
Fonte:
http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=572639